domingo, 28 de setembro de 2008

Ainda sobre julgamentos, e um pouco sobre aceitação


Domingo chuvoso, um MONTE de coisas sérias para resolver... momento “ideal” para parar, escrever um texto e tentar tirar um pouco do aperto do peito. Risos.


Algum dia eu queria compreender e ter vivido e conhecido gente o bastante para fazer uma análise do que atrai as submissas ao BDSM. O que buscam na sua procura, que significados faltam para preencher suas vidas. Seria leviano da minha parte afirmar qualquer coisa agora, então vou tentar falar superficialmente do que diz respeito a mim. Espero depois poder retomar o tema.


O que me levou ao BDSM além do meu delírio adolescente com os vilões dos filmes, ou do meu gostar de alguns tipos de dor, ou das minhas fantasias fetichistas? O que me levou Àquele que escolhi para me machucar?


Creio que um forte elemento é a busca de aceitação. Um dos meus pilares e problemas centrais.

Sempre sofri com preconceitos por motivos diversos ao longo da vida. Tenho uma forma peculiar de pensar que não advogo como certa para ninguém: acredito que cada um deva ser e sentir exatamente como é. Por isso não mudo meus valores e meu jeito de ser com base nas críticas de arautos da moralidade. Mudo, sim, o que fizer sentido mudar, não estou inerte nem fechada. Contudo sofro, especialmente quando a reprovação – ou possível reprovação – vem das pessoas que mais amo. Sempre me surpreendo com aquela sensação de que estou fazendo algo errado. Como pode ser errado o que se sente tão certo...?! Tal é o efeito dos julgamentos sobre mim.


Cada relação em que se envolve ou se permite envolver é uma questão de entrega. Se não houver entrega, por que chamar de relação uma foda de final de semana? Me relaciono, portanto, com quem quero dividir minha vida. Meus sonhos, minhas ansiedades, minha felicidade, meu crescimento e minhas imperfeições. E espero que a outra parte faça o mesmo. E espero... esse é o verbo recorrente, por mais que se tente afastá-lo (tento e tentarei...) Quem ama tem expectativas, sempre, que são constantemente frustradas, retribuídas e superadas. Por isso escolher alguém para se relacionar e, mais, para amar, incondicionalmente, é escolher Quem irá lhe machucar.


Aquele que escolhi para me machucar tem virtudes lindas e defeitos vis. Poderia até ter algumas falhas de caráter, que seriam apreciadas aliás, pois todo o conjunto O torna humano, e meu amor só pode ser calcado na realidade desse Ser Humano lindo.


Aceitação. Essa é a palavra.


O que eu busco no instante, e na contingência que é a vida, é ser aceita por Este Homem. Quero estar acolhida em Suas mãos e realizar os Seus desejos. Aceitação é pertencer, e quero que um dia se reconheça que há muito pertenço Àquele que, desde o primeiro momento me disse, quando nem sabíamos o rumo que a coisa iria tomar: eu vou ser seu Dono, oras.


Que o destino possa ser cumprido.


Pablo Neruda
Cem sonetos de amor - LXXVIII

Não tenho nunca mais, não tenho sempre. Na areia
a vitória deixou seus pés perdidos.
Sou um pobre homem disposto a amar seus semelhantes.
Não sei quem és. Te amo. Não dou, não vendo espinhos.

Alguém saberá talvez que não teci coroas
sangrentas, que combati o engano,
e que em verdade enchi a preamar de minha alma.
Eu paguei a vileza com pombas.

Eu não tenho jamais porque distinto
fui, sou, serei. E em nome
de meu mutante amor proclamo a pureza.

A morte é só pedra do esquecimento.
Te amo, beijo em tua boca a alegria.
Tragamos lenha. Faremos fogo na montanha.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

"O coração amante se dilata. O preconceito?
Um punhado de sal num mar de águas."

A Humilhação em uma relação D/s e a humilhação na “vida real”


Ele me humilha porque eu assim o quis, porque eu deleguei todo o poder da minha vida em Suas mãos. Uma das muitas questões que me intriga, e gostaria de achar uma resposta até para avançar no meu processo de autoconhecimento, é, por que, para mim, ser humilhada por Ele é algo tão desejado, e por que, por outro lado, a humilhação na vida cotidiana é algo tão duro de aceitar, algo que macula e deixa na boca o gosto amargo do injusto. Quais os significados ocultos da Humilhação numa relação D/s e suas diferenças quanto à humilhação na “vida real”?


Acho que primeiro cabe esclarecer um pouco de como entendo uma relação D/s. Não a vejo como um jogo, embora se possa brincar, mas como algo que exige um profundo entendimento e comprometimento entre dois seres humanos. Para mim, há uma entrega muito grande de ambas as partes, e incondicional por parte da submissa; isso exige sentimentos grandiosos e lindos. Chego à parte que causará arrepios a alguns do meio: para mim exige amor.... Amor...!


Para voltar à questão da humilhação. A Humilhação numa relação D/s é um ato de amor. Ele me humilha porque O amo, me humilha porque mereço, me humilha porque sabe que preciso de dor para viver. Essas lágrimas que aqui escorrem vão regar a terra de onde brotarão nossas flores; elas lavarão nossos corpos, nossas almas e o mundo. Não são frutos de mágoas (pouquíssimas vezes), mas de algo cristalino que se impõe numa espécie de purificação. Chorar me traz de volta ao equilíbrio. Chorar me conecta com uma parte esquecida de mim mesma. Chorar me centra.


No Seu colo, humilhada, rendida, entregue, eu não temo. No Seu colo eu sou forte para enfrentar o mundo, justamente por ser o único momento em que não me é exigido ser forte ou ser algo diferente do que sou: frágil, pequena, Sua. Sem máscaras.


No cotidiano, te humilham sem saber quem você é. A humilhação contém um julgamento brutal sobre quem você é, sem que lhe tenha sido dada a menor chance de defesa ou de expressar 1% do turbilhão de sentimentos, qualidades e defeitos que te compõem. Você está sujeita ao julgamento moral dos padres, do Estado, da Lei. Você vira joguete dos preconceitos e das premissas ridículas das carolas virtuosas e auto comiseradas.


Quando meu Dom me humilha Ele me revela verdades sobre mim e me faz trilhar caminhos que me fazem crescer e me conhecer mais. Ele me humilha me conhecendo; Ele me julga na exata medida em que sou; Ele faz, com isso, Justiça.


Por isso, se algum dia exceder limites ou fizer um cálculo errado, o que pode acontecer, pois Dons são humanos, será tão fácil perdoá-Lo. Ao contrário dos sapos que somos obrigadas a engolir a lidar com tanta gente leviana...