quinta-feira, 27 de novembro de 2008


Para o Dono do meu amor

Que todos pensem que enxergo BDSM de uma forma insuportavelmente romântica. Não sei e não me importo. Pouco tenho a falar de uma relação D/s ou de mim que não soe como um hino ao amor. Nele tudo se define. Começarei de novo, portanto, deixando claro que é apenas minha opinião.

Amor, entrega e submissão

1) Submissão e entrega

Sempre tive dificuldade de entender um certo discurso de algumas submissas quando falavam de entrega total a um Dominante como se nunca esperassem nada Deles ou da relação. Lembro de ter lido um texto de uma Domme elucidando isso, ela dizia que, no mínimo, uma submissa esperava ser amarrada, amordaçada, usada, enfim, ter suas fantasias de qualquer espécie realizadas, e que era uma hipocrisia dizer o contrário.

Dentro de mim eu pensava que seria impossível uma submissa se doar a uma relação unilateral, na qual ela vivesse somente coisas que considerasse horríveis e aviltantes. E, mais, que nenhum Dominante que se preze poderia impor somente traumas a Sua submissa sem preocupar-Se minimamente com seu prazer e crescimento.

Partindo da premissa de que a submissa espera sim, muitas coisas de seu Dominante, como falar de entrega?

Há que se distinguir entre desejar intensamente alguma coisa e condicionar todo e qualquer ato à obtenção do objeto de desejo.

Se o que a "submissa" chama de entrega está condicionado aos resultados que deseja obter, então não há nem nunca houve entrega. Conseqüentemente não há submissão plena.



2) Entrega e amor

Se a entrega não está condicionada ao que se deseja, se dela não se exige nada em troca, ela só pode ser uma conquista do Dominante.

É o Dominante que conquista respeito por tudo o que É. É por Seu talento para impor autoridade e empoderar-Se que Ele recebe, de bom grado, tudo o que queira.

Entregar-se sem exigir nada em troca é atirar-se no abismo e, para mim (opinião muito particular), somente o amor é que irá possibilitar isso.

Vou falar um pouco do que significa amor para mim, já que vejo tanta gente por aí falar em amor irresponsavelmente. Julgo e não serei politicamente correta.

Em geral as pessoas estão fechadas. Elas andam por aí com suas almas trancadas por cadeados. Elas se propõem a se relacionar, a formar famílias, a prometer o que não se promete, a eternidade. Elas não querem olhar e mergulhar fundo no outro, entender a necessidade do outro, romper barreiras. Elas querem um espelho que somente lhes mostre o que é belo, e chamam de amor pelo outro o que na verdade é apenas amor por si mesmas.

Essas pessoas se apaixonam por uma imagem, ou pela possibilidade de ter os seus desejos atendidos, mas não estão dispostas a fazer concessões. De tal forma que buscam apenas um par que as façam sentir menos sozinhas e menos nada do que somos diante da imensidão, da imprevisibilidade e do absurdo que são o mundo e a vida.

Elas dão, mas esperando sempre algo em troca. Se não recebem se sentem indignas, ridículas, humilhadas. Desestimulam em si próprias o crescimento de sentimentos belos porque sentem que se não forem correspondidas exatamente na mesma medida restarão inferiorizadas. Tudo isso porque não vêem a grandeza do ato de amar, e usam e maculam por aí o nome do amor em vão.

O amor não pode ter finalidade. O amor é um fim em si mesmo.

Por isso só consigo reconhecer o amor com traços de entrega característicos de Dominação ou de submissão. De um lado o amor que cuida, que protege de todos os perigos, que ensina, molda, corrige, faz crescer, que está disposto a matar e a morrer por alguém. De outro lado, o amor que suporta todo o peso sobre os ombros com a leveza de um sorriso, que aceita, concede, empodera, que é refúgio e base sólida, que está disposto a matar e a morrer por alguém.

Amor só serve se for de peito aberto. O amor não tem orgulho nem pudores. Porque amar é atirar-se num abismo independente de qualquer certeza de que alguém irá socorrê-lo. Amar é morrer nas mãos do outro.


sábado, 22 de novembro de 2008


Obrigada por me corrigir, Dono.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Sobre "sair do armário" BDSM

Não acho que todos possam, devam ou queiram mostrar a cara. Vivemos numa sociedade muito preconceituosa e ninguém deveria ser “obrigado” a suportar uma enorme carga de incompreensão no seu dia a dia. Muitos aqui não podem se expor, ou por serem figuras públicas, ou por trabalharem num meio muito conservador, ou por terem famílias tradicionais, o motivo não importa, se expor é uma decisão muito pessoal e íntima de cada um. Eu mesma não poderia fazê-lo, pelo menos não no trabalho, pois minha área é a jurídica e as pessoas são extremamente preconceituosas (em regra). Não quero que isso me atrapalhe a defender meus interesses e as coisas que acredito no direito. Mas busco sim, como um dos meus objetivos de vida, um dia chegar e me assumir publicamente sem medo (opção pessoal). Por que isso?

Eu tenho enorme gratidão por algumas figuras históricas, artistas, escritores, que ousaram na sua época, a despeito de tudo e de todos, expor a sua condição. São pessoas que muitas vezes foram perseguidas e terminaram suas vidas desgraçadas. Sade, Wilde, quantos exemplos podemos colocar aqui? Imaginem o que seria de mim, mia, no século XXI, que já me senti anormal e tive vários dilemas internos ao descobrir o que considero como sendo parte da minha identidade, se essas pessoas não tivessem tido a coragem de se expor? Que referencial eu teria? Tenho uma admiração enorme em relação àqueles que dão a cara a tapa.

Quer queiramos ou não, o discurso médico e psiquiátrico continua a nos desqualificar como doentes e loucos, e o discurso jurídico nos criminaliza. Embora não aconteça na prática (não conheço casos aqui no Brasil, mas já vi acontecer no exterior), nosso comportamento pode muito bem ser tipificado como lesão corporal e considerado crime, e se for um Dom e uma sub, poderia muito bem ser enquadrado na recente lei Maria da Penha, não? Violência doméstica, penas aumentadas. A lei não quer saber se o que você estava fazendo era SSC.

Querer uma exposição maior da nossa comunidade significa que eu quero converter o mundo baunilha ao BDSM? Não. Que eu defenda que todos batam palmas para a nossa conduta sexual? Não. Que eu queira expor minuciosamente minhas preferências às minhas tias-avós nas festas de família? Não. Eu quero apenas o mínimo de respeito. Eu quero poder viver minha vida sem me esconder como se eu estivesse fazendo algo de errado. Sem ser classificada como doente, anormal, pervertida, maluca. Eu quero parar de ficar preocupada sobre se esqueci no desktop do computador conversas com o Dono, ou sobre onde devo guardar objetos e roupas SM para que ninguém veja.

Talvez seja até um pouco infantil da minha parte, mas é um momento muito bonito esse da minha descoberta como submissa e eu sinceramente gostaria de dividir aqui em casa e parar de mentir ou omitir, isto se a sociedade fosse outra. Já tenho uma péssima experiência e alguns traumas em relação à descoberta da minha bissexualidade pelos meus pais, não sei se encaro outra não. Mesmo assim, penso muito em dizer, e eu sempre acabo me expondo de uma forma de outra, com amigos, na faculdade, trabalho um pouco, mas com certo bom senso. É uma sensação boa, pois tenho orgulho do que sou e sinto e da minha relação com meu Dom.

Como a sociedade poderá ser outra se ninguém nunca tiver coragem de se expor?

Concordo com alguém que disse que devem mostrar a cara aqueles que se dispuserem, e não devem aqueles que não queiram e não possam. Agora existem níveis do “mostrar a cara”. É pedir demais que alguém apareça no Fantástico (rs)? Sim. Talvez aqueles que vivam BDSM 24/7 topassem isso e eu ficaria muito admirada. Mas existem outras formas tão importantes quanto a exposição pública, como a exposição privada, por exemplo. É a mudança que podemos fazer nos nossos espaços de convivência, mostrando às pessoas que possuem laços conosco que BDSM não é doentio, que pode ser vivenciado de uma forma saudável. Na medida em que elas percebem como isso nos faz bem, rompem-se preconceitos e, através das pequenas mudanças, quem sabe um dia a sociedade não estará transformada?

O que eu proponho, portanto? Acho que temos que nos organizar, acho que temos que nos conhecer melhor e, com base no que somos, discutir sim as melhores estratégias para expor a comunidade BDSM à sociedade. Nesse processo, quem quiser dá a cara a tapa, quem não quiser ou puder, não dá. Espero, até lá, ter coragem e possibilidades de estar no primeiro grupo.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Amar você é coisa de minutos (Leminski)


Amar você é coisa de minutos

A morte é menos que teu beijo

Tão bom ser teu que sou

Eu a teus pés derramado

Pouco resta do que fui

De ti depende ser bom ou ruim

Serei o que achares conveniente

Serei para ti mais que um cão

Uma sombra que te aquece

Um deus que não esquece

Um servo que não diz não

Morto teu pai serei teu irmão

Direi os versos que quiseres

Esquecerei todas as mulheres

Serei tanto e tudo e todos

Vais ter nojo de eu ser isso

E estarei a teu serviço

Enquanto durar meu corpo

Enquanto me correr nas veias

O rio vermelho que se inflama

Ao ver teu rosto feito tocha

Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha

Sim, eu estarei aqui


sexta-feira, 14 de novembro de 2008


Monólogo interior indecente



“Mãe, esse meu ‘namorado’ é o que a Sra. sempre recomendou para mim. Ele me aceita, me protege e me trata como um homem de verdade deve tratar uma mulher.


Ele me faz andar de quatro no chão como uma cadelinha enquanto me puxa pelos cabelos e eu empino o meu cuzinho. Ele me põe ajoelhada para que eu O chupe enquanto fode minha garganta. Ele bate e esfrega o pau na minha cara e eu quase gozo. Ele ordena que eu me toque e eu rezo para que monte em cima de mim. Ele me dá água para beber no seu pau se eu for boazinha, e me pune sempre que eu mereça. Ele me diz humilhações no pé do ouvido que me deixam toda arrepiada e molhada. Ele me olha nos olhos enquanto aperta os meus mamilos e cospe na minha cara.


Eu olho para o meu Senhor com gratidão e mal consigo me conter de tanto prazer que me dá. Ele me amarra, me bate, me usa, me fode. Eu gemo como uma puta. Ele me vira e, como um bicho, mete violentamente Sua vara em mim enquanto me beija. Eu gemo muito e quase grito, eu imploro internamente para que me viole ao máximo. E sorrio quando percebo que meu Dono vai gozar dentro de mim. E, assim, posso gozar também, enquanto sua porra escorre pelas minhas pernas, mamãe.”



quarta-feira, 12 de novembro de 2008


Só porque eu luto, não quer dizer que eu seja forte.
Só porque eu choro, não quer dizer que eu seja fraca.
Só porque eu não entendo ou muitas vezes odeio a Deus, não quer dizer que eu não tente ter uma ética cristã.
Só porque eu não peço não quer dizer que eu não deseje com todas as minhas forças.
Só porque eu calo não quer dizer que eu não ame desesperadamente.

Não quero soar pós-moderna, mas a verdade é muitas vezes uma construção e o que fazemos dela.

Nem tudo é o que parece.













terça-feira, 4 de novembro de 2008

Aos Teus pés, Senhor meu Dono




















Lembra de quando deixei essa poesia na Sua carteira?


Uma mulher espera por mim
(Whitman)

Uma mulher espera por mim, nela tudo se contém, não falta nada,
No entanto faltaria tudo se lhe faltasse o sexo ou a umidade do homem certo.

Tudo se contém no sexo, corpos, almas,

Significados, provas, purezas, delicadezas, proclamações, efeitos,

Ordens, canções, higidez, orgulho, o mistério materno, o leite seminal,

As esperanças todas, bens, outorgas, todas as paixões, belezas, amores, os deleites da terra,

Todos os governos, juízes, deuses, o cortejo de pessoas da terra,
Tudo se contém no sexo como partes de si e justificações de si.


Sem pejo o homem de quem gosto sabe e confessa as delícias do sexo,

Sem pejo a mulher de quem eu gosto sabe e confessa as do sexo dela.


Pois eu me afasto das mulheres insensíveis,

Para ficar com a que espera por mim, e com as mulheres de sangue quente que me satisfazem,

Eu vejo que elas me compreendem e não me repudiam,

Vejo que são dignas de mim e eu serei delas o marido vigoroso.


Essas mulheres não são em nada inferiores a mim,

Têm o rosto tisnado pelo brilho dos sóis e pelo sopro dos ventos,

Há na carne delas, antigas e divinas, agilidade, força,

Elas sabem nadar, remar, montar, lutar, atirar, correr, bater, recuar, avançar, resistir, defender-se sozinhas,

São supremas por direito próprio- são calmas, límpidas, donas de si mesmas.

Puxo vocês para junto de mim, mulheres,

Não as posso deixar ir, vou lhes fazer bem

Existo para vocês e vocês para mim, não apenas para o nosso bem, mas para o bem dos outros,
Envoltos em você dormem grandes heróis e bardos,
Eles se recusam a acordar pelo toque de outro homem que não eu.


Sou eu, mulheres, abro o meu caminho,

Sou severo, cáustico, indissuadível, mas amo vocês,

Não as machuco mais que o necessário a vocês mesmas,

Derramo a substância geradora de filhos e filhas dignos destes Estados, assedio com músculo pausado e rude,

Me firmo eficazmente, não dou ouvido a rogos,

Não ouso retirar-me sem depositar o que há de muito acumulei dentro de mim.


Através de vocês eu dreno os rios enclausurados de mim mesmo

Em vocês concentro mil anos de futuro,

Em vocês faço enxerto dos tão amados por mim e pela América,

As gotas que em vocês destilo farão medrar moças atléticas e ardentes, novos artistas, músicos, cantores,

As crianças que em vocês procrio vão procriar, por sua vez, outras crianças,

Exigirei, dos meus dispêndios amorosos, homens e mulheres perfeitos,

Eles irão se interpenetrar, espero, como eu e você agora nos interpenetramos,

Contarei com os frutos dos generosos aguaceiros deles como conto com os frutos dos aguaceiros que ora entorno.

Vou ficar à espera das ternas colheitas do nascimento, vida, morte, imortalidade
Que tão amorosamente planto agora.

sábado, 1 de novembro de 2008

Sobre o sentimento de utilidade






















Rapidamente, porque já é de madrugada, gostaria de externar um pouco o que já achava sobre o sentimento de utilidade e mais uma vez me veio à tona numa discussão no trabalho sobre formas de organização popular (portanto, nada a ver com BDSM a princípio, aparentemente).

Foi uma conversa simples entre jovens confusos entre um modelo de organização horizontal em que todos discutam e decidam tudo conjuntamente e outro em que haja uma coordenação que discuta sim, mas que centralize e decida algumas questões essenciais.

Me impressiona no mundo de hoje como alguns têm dificuldades em aceitar comandos e deixar que algumas decisões sejam tomadas por eles. As pessoas enxergam como autoritarismo o fato de que possa haver qualquer instância de decisão superior a elas. E por um orgulho imbecil, vêem como desonra o ato daquele que obedece à ordem.

Não falo aqui de um obedecer cego e alienado nem tento legitimar instituições, pessoas ou circunstâncias de fato autoritárias. Outra coisa está em jogo.

Quero dizer que muito pelo contrário, não há honra maior do que ser útil. Não há nada mais bonito do que você aceitar a liderança de alguém, por admiração, por saber o quanto aquela pessoa tem experiência e, por um laço fortíssimo de confiança, abrir mão de si mesmo. Todo pequeno gesto que cada um executa faz parte de um vasto quebra cabeça em que seguir o comando é algo crucial para uma transformação. De tal forma que embora o senso comum valorize aqueles que mandam e deprecie os que obedecem, são estes últimos que concretizam tudo o que há de mais necessário.

Quando foi que a noção de ser "usado" adquiriu uma conotação tão ruim? Uma sociedade em que todos mandem é uma sociedade em colapso. Algo impossível. De tal modo que se comete um erro grave, por exemplo, na recompensa desproporcional entre trabalhos intelectuais e os manuais mais básicos. Ao meu ver quanto mais desagradável e útil o trabalho, mais ele deveria ser bem pago. Arrisco dizer que um lixeiro e uma empregada doméstica deveriam ganhar, para arrepio de alguns, mais do que um juiz.

Mas voltando a alguma espécie de foco, o fato é que eu respirei e disse algo mais ou menos assim, sorrindo internamente pois sabia que enquanto eu falava disso, também falava sobre o que o BDSM é para mim:

Refleti sobre várias áreas da minha vida, e cheguei a conclusão de que nada me satisfaz mais do que ser um cachorro. Não vejo qualquer problema em aceitar e cumprir uma decisão de alguém que eu confie plenamente, mesmo que eu não concorde. Nesse caso eu posso conversar e tentar convencer a liderança; posso conseguir ou não, o fato é que se eu não conseguir eu vou cumprir, pois simplesmente eu não estou disputando. Eu aceito como legítimo o comando daquela pessoa (e não de qualquer idiota, é bom frisar), e desta forma serei leal, e serei feliz por saber que sou um instrumento através do qual se realizam coisas boas.

No trabalho, na militância, no amor e no sexo: não há nada melhor do que estar desse lado da coleira.