segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Limite

(é uma pena tão grande que perdi as minhas fotos desse filme!)






Sinopse: (do site http://filmescopio.50webs.com/filmes/limite.htm)

"Limite" tem um tema, uma situação e três histórias. O tema é a ânsia do homem pelo infinito, seu clamor e sua derrota. A situação é um barco perdido no oceano com três náufragos - um homem e duas mulheres. As três histórias são aquelas que os personagens mutuamente contam. Na situação se esboça o tema que as três histórias desenvolvem. A tragédia cósmica de "Limite" se passa no barco. E para ele convergem as histórias.

O filme começa no barco e no barco marca-se o tom de "Limite". Os náufragos estão abatidos, deixaram de remar e parecem conformados com seu destino. Uma das mulheres dá um biscoito ao homem e conta a sua história.

A mulher foge da prisão com a cumplicidade do carcereiro, despreza-o, foge mas não encontra a paz. Tenta trabalhar - costurar - mas a monotonia a esmaga. Com a notícia de sua fuga, ela parte novamente.

O homem reanima a outra moça caída no fundo do barco. Ela também conta a sua história. Um casamento infeliz e desastrado com um pianista bêbado que toca em cinemas. A mulher sente-se esmagada pela monotonia e pela tirania dos laços de seu casamento. Recorda o homem em toda a sua degradação, desespera e foge.

No barco a primeira mulher tenta desesperadamente remar: mãos e remos são inúteis. Os outros dois olham-na, vencidos e conformados. O homem conta a sua história. Ele, viúvo, tem um caso de amor com uma mulher casada. Há alegria e tristeza. Visitando o túmulo de sua esposa, encontra o marido da amante que lhe diz que ela é leprosa. Desespero, angústia, terror - e fuga.

No barco a água acaba. Um barril visto ao longe pode ser a salvação: o homem pula na água e não aparece à tona. Em desespero, a segunda mulher se atira à primeira, que a agride. Uma fica prostrada, a outra chora. Desencadeia-se uma tempestade - uma longa seqüência catártica que resolve o filme em termos de tema e ritmo. No mar calmo que retorna está apenas a primeira agarrada a um destroço. Lentamente dissolve-se num mar de luzes."

Análise (de Paulo Ricardo de Almeida, da revista Contracampo)

"... Assim, Mário Peixoto estabelece em Limite a dialética entre os olhos e o mar: o dentro e o fora, o eu e o mundo, o aqui e o ali. Os olhos, que observam para além do enquadramento, em direção à câmera de Edgar Brazil, representam a alma que ainda se crê ilimitada. O mar de fogo – reflexos da luz do sol sobre a massa de água, cuja beleza cintilante é também alcançada por Jean-Luc Godard em Je Vous Salue Marie (1984) – aponta para a natureza infinita, para o indiferenciado do universo, amorfo e imenso. Entre os olhos e o mar, encontram-se as algemas, símbolo da limitação que, em conjunto com o plano inicial dos abutres na paisagem desolada (a morte, a decadência), expressam a tragédia daqueles três náufragos à deriva em pleno oceano, por fim engolidos pela tempestade que encerra o filme.

Três personagens, duas mulheres (Olga Breno e Taciana Reis) e um homem (Raul Schnoor) que relembram os acontecimentos que os levaram ao barco perdido na imensidão do mar. Inconformidade, desespero, fuga: Taciana Reis abandona o casamento opressor, o marido bêbado e pianista fracassado; Olga Breno escapa da prisão, com ajuda do carcereiro, para se ver novamente enjaulada pelo trabalho monótono à máquina de costura; Raul Schnoor envolve-se com mulher casada e leprosa e, frente à possibilidade da castração, cai ao solo, aflito, enquanto a câmera descreve lenta panorâmica pelo meridiano celeste sem fim, pelo arco do mundo. De forma que os planos de Limite, em geral longos (impressão reforçada pelas demoradas fusões e pelos acordes cheios da Gymnopédie no.3, de Erik Satie), de enquadramentos precisos e asfixiantemente belos, reiteram as diversas prisões pelas quais os personagens atravessam, multiplicando, pela paisagem de Mangaratiba, signos limítrofes análogos em forma: as bordas dos barcos, as cercas, as grades do presídio e do cemitério, as cruzes, as estradas intermináveis, o mar, o horizonte. Cárceres dentro de cárceres, exasperantes – pois mesmo o infinito se revela outro limite –, dos quais não há escapatória, a despeito das constantes fugas.

A paisagem de Mangaratiba, fundamental em Limite, complexifica as representações do amorfo anteriormente configuradas no mar de fogo. Tragédia, morte, e Brasil: o brejo, o lodo, a praia, a mata, as árvores retorcidas, as ruínas de vegetação pendente, os muros manchados, as fachadas, as janelas, as portas, a estrada, o cemitério, as pessoas no cinema, as pessoas que passam, tudo é Brasil. Filme de poesia, Limite constrói o espaço com extremo realismo, mas a fim de ultrapassá-lo, até mesmo nas citações ao contexto local, absolutamente corretas – o presídio de Ilha Grande, vislumbrado nas grades que aprisionam Olga Breno, ou o leprosário de Mangaratiba, cujo índice está presente na mulher "morphética" com que Raul Schnoor se envolve.

Como o ambiente, as figuram humanas se caracterizam igualmente pela verossimilhança, seja na falta de maquiagem ou nos cabelos dos atores desgrenhados pelo vento (vento que anuncia a chegada da tempestade, da destruição), seja nas interpretações contidas, sóbrias, tensas, pois Mário Peixoto, seguindo Griffith, acredita na significação máxima dos menores gestos, na expressividade que se cristaliza sobretudo nos olhos e na face. Porém, ao contrário dos melodramas griffithianos, não há aprofundamentos psicológicos nos personagens de Limite, já que eles representam a Humanidade – prostrada diante da inutilidade de qualquer ação contra os desmandos da natureza – antes de tipos específicos. E se no cinema de Griffith a montagem concatena as imagens em relações transparentes de causa e efeito para mover a narrativa à frente, no filme de Mário Peixoto ela se torna mais um meio para exprimir o tema central (a angústia do homem esmagado pelo universo), através da associação morfológica, musical e poética entre os planos.

Fala-se, devido à ruptura de Mário Peixoto com o cinema clássico-narrativo (do qual Humberto Mauro poderia ser considerado o principal cineasta brasileiro da época), sobre o alinhamento de Limite com as vanguardas européias. Contudo, enquanto os projetos vanguardistas exaltam a vida moderna, urbana e industrial (como demonstrado em L’Inhumaine, de Marcel L’Herbier, feito em 1924) – no culto à máquina, à energia, à velocidade, ao automatismo – contraposta à destruição do passado, ou seja, dos valores sociais, morais e espirituais arcaicos herdados do século XIX, Limite opera a identificação de elementos próprios à modernidade com formas de cerceamento que afetam os personagens: a máquina de costura, assim como todos os objetos a ela ligados (destacados em planos detalhes), que oprimem Olga Breno, ou o cinema miserável, onde o marido de Taciana Reis toca piano.

No final perdido de Limite, em que um relógio sem mostrador afunda no marantecipando-se a Morangos Silvestres (1957), de Ingmar Bergman, e a Agonia e Glória (1980), de Samuel Füller –, a intenção do cineasta torna-se clara: dizer que o Tempo não passa de mera invenção humana, que o desespero do homem se faz inútil, posto que a natureza, por ser infinita, é também atemporal, pouco se importando com a impotência que suscita em seres tão ínfimos. Dessa forma, Limite, mesmo que utilize técnicas de montagem características, por exemplo, ao cinema soviético – e há semelhanças formais entre o filme de Mário Peixoto e Terra (1930), de Aleksandr Dozhvenko –, significa a anti-vanguarda, uma vez que sugere não o rompimento definitivo entre o homem e a natureza, mas sim a reaproximação entre ambos (como indica o plano em que Olga Breno, agarrada à tábua após a tempestade, desaparece em meio ao mar cintilante), a aceitação humana de seu papel dentro da ordem universal.

Em Limite, portanto, o homem é responsável por suas próprias algemas, visto que, a fim de suportar o fardo de que o mundo existe independente dele, cria o Tempo, que se revela através das memórias dos personagens à deriva na imensidão inescapável, tanto do mar quanto do horizonte."

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