sábado, 1 de novembro de 2008

Sobre o sentimento de utilidade






















Rapidamente, porque já é de madrugada, gostaria de externar um pouco o que já achava sobre o sentimento de utilidade e mais uma vez me veio à tona numa discussão no trabalho sobre formas de organização popular (portanto, nada a ver com BDSM a princípio, aparentemente).

Foi uma conversa simples entre jovens confusos entre um modelo de organização horizontal em que todos discutam e decidam tudo conjuntamente e outro em que haja uma coordenação que discuta sim, mas que centralize e decida algumas questões essenciais.

Me impressiona no mundo de hoje como alguns têm dificuldades em aceitar comandos e deixar que algumas decisões sejam tomadas por eles. As pessoas enxergam como autoritarismo o fato de que possa haver qualquer instância de decisão superior a elas. E por um orgulho imbecil, vêem como desonra o ato daquele que obedece à ordem.

Não falo aqui de um obedecer cego e alienado nem tento legitimar instituições, pessoas ou circunstâncias de fato autoritárias. Outra coisa está em jogo.

Quero dizer que muito pelo contrário, não há honra maior do que ser útil. Não há nada mais bonito do que você aceitar a liderança de alguém, por admiração, por saber o quanto aquela pessoa tem experiência e, por um laço fortíssimo de confiança, abrir mão de si mesmo. Todo pequeno gesto que cada um executa faz parte de um vasto quebra cabeça em que seguir o comando é algo crucial para uma transformação. De tal forma que embora o senso comum valorize aqueles que mandam e deprecie os que obedecem, são estes últimos que concretizam tudo o que há de mais necessário.

Quando foi que a noção de ser "usado" adquiriu uma conotação tão ruim? Uma sociedade em que todos mandem é uma sociedade em colapso. Algo impossível. De tal modo que se comete um erro grave, por exemplo, na recompensa desproporcional entre trabalhos intelectuais e os manuais mais básicos. Ao meu ver quanto mais desagradável e útil o trabalho, mais ele deveria ser bem pago. Arrisco dizer que um lixeiro e uma empregada doméstica deveriam ganhar, para arrepio de alguns, mais do que um juiz.

Mas voltando a alguma espécie de foco, o fato é que eu respirei e disse algo mais ou menos assim, sorrindo internamente pois sabia que enquanto eu falava disso, também falava sobre o que o BDSM é para mim:

Refleti sobre várias áreas da minha vida, e cheguei a conclusão de que nada me satisfaz mais do que ser um cachorro. Não vejo qualquer problema em aceitar e cumprir uma decisão de alguém que eu confie plenamente, mesmo que eu não concorde. Nesse caso eu posso conversar e tentar convencer a liderança; posso conseguir ou não, o fato é que se eu não conseguir eu vou cumprir, pois simplesmente eu não estou disputando. Eu aceito como legítimo o comando daquela pessoa (e não de qualquer idiota, é bom frisar), e desta forma serei leal, e serei feliz por saber que sou um instrumento através do qual se realizam coisas boas.

No trabalho, na militância, no amor e no sexo: não há nada melhor do que estar desse lado da coleira.

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