quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Sobre "sair do armário" BDSM

Não acho que todos possam, devam ou queiram mostrar a cara. Vivemos numa sociedade muito preconceituosa e ninguém deveria ser “obrigado” a suportar uma enorme carga de incompreensão no seu dia a dia. Muitos aqui não podem se expor, ou por serem figuras públicas, ou por trabalharem num meio muito conservador, ou por terem famílias tradicionais, o motivo não importa, se expor é uma decisão muito pessoal e íntima de cada um. Eu mesma não poderia fazê-lo, pelo menos não no trabalho, pois minha área é a jurídica e as pessoas são extremamente preconceituosas (em regra). Não quero que isso me atrapalhe a defender meus interesses e as coisas que acredito no direito. Mas busco sim, como um dos meus objetivos de vida, um dia chegar e me assumir publicamente sem medo (opção pessoal). Por que isso?

Eu tenho enorme gratidão por algumas figuras históricas, artistas, escritores, que ousaram na sua época, a despeito de tudo e de todos, expor a sua condição. São pessoas que muitas vezes foram perseguidas e terminaram suas vidas desgraçadas. Sade, Wilde, quantos exemplos podemos colocar aqui? Imaginem o que seria de mim, mia, no século XXI, que já me senti anormal e tive vários dilemas internos ao descobrir o que considero como sendo parte da minha identidade, se essas pessoas não tivessem tido a coragem de se expor? Que referencial eu teria? Tenho uma admiração enorme em relação àqueles que dão a cara a tapa.

Quer queiramos ou não, o discurso médico e psiquiátrico continua a nos desqualificar como doentes e loucos, e o discurso jurídico nos criminaliza. Embora não aconteça na prática (não conheço casos aqui no Brasil, mas já vi acontecer no exterior), nosso comportamento pode muito bem ser tipificado como lesão corporal e considerado crime, e se for um Dom e uma sub, poderia muito bem ser enquadrado na recente lei Maria da Penha, não? Violência doméstica, penas aumentadas. A lei não quer saber se o que você estava fazendo era SSC.

Querer uma exposição maior da nossa comunidade significa que eu quero converter o mundo baunilha ao BDSM? Não. Que eu defenda que todos batam palmas para a nossa conduta sexual? Não. Que eu queira expor minuciosamente minhas preferências às minhas tias-avós nas festas de família? Não. Eu quero apenas o mínimo de respeito. Eu quero poder viver minha vida sem me esconder como se eu estivesse fazendo algo de errado. Sem ser classificada como doente, anormal, pervertida, maluca. Eu quero parar de ficar preocupada sobre se esqueci no desktop do computador conversas com o Dono, ou sobre onde devo guardar objetos e roupas SM para que ninguém veja.

Talvez seja até um pouco infantil da minha parte, mas é um momento muito bonito esse da minha descoberta como submissa e eu sinceramente gostaria de dividir aqui em casa e parar de mentir ou omitir, isto se a sociedade fosse outra. Já tenho uma péssima experiência e alguns traumas em relação à descoberta da minha bissexualidade pelos meus pais, não sei se encaro outra não. Mesmo assim, penso muito em dizer, e eu sempre acabo me expondo de uma forma de outra, com amigos, na faculdade, trabalho um pouco, mas com certo bom senso. É uma sensação boa, pois tenho orgulho do que sou e sinto e da minha relação com meu Dom.

Como a sociedade poderá ser outra se ninguém nunca tiver coragem de se expor?

Concordo com alguém que disse que devem mostrar a cara aqueles que se dispuserem, e não devem aqueles que não queiram e não possam. Agora existem níveis do “mostrar a cara”. É pedir demais que alguém apareça no Fantástico (rs)? Sim. Talvez aqueles que vivam BDSM 24/7 topassem isso e eu ficaria muito admirada. Mas existem outras formas tão importantes quanto a exposição pública, como a exposição privada, por exemplo. É a mudança que podemos fazer nos nossos espaços de convivência, mostrando às pessoas que possuem laços conosco que BDSM não é doentio, que pode ser vivenciado de uma forma saudável. Na medida em que elas percebem como isso nos faz bem, rompem-se preconceitos e, através das pequenas mudanças, quem sabe um dia a sociedade não estará transformada?

O que eu proponho, portanto? Acho que temos que nos organizar, acho que temos que nos conhecer melhor e, com base no que somos, discutir sim as melhores estratégias para expor a comunidade BDSM à sociedade. Nesse processo, quem quiser dá a cara a tapa, quem não quiser ou puder, não dá. Espero, até lá, ter coragem e possibilidades de estar no primeiro grupo.

Um comentário:

Marte disse...

A idéia de um ponto médio entre a exposição pública total e o trabalho de ir explicando aos baunilhas próximos gradativamente o sm é ótima.

Faz todo sentido. Parabéns.