quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Identidade feminina?
Quem somos em face do que conquistamos e da crise da identidade masculina?

Sempre tive problemas com discussões sobre "natureza" feminina ou masculina. Me parecia pouco lógico esse conceito de algo que nasce com um gênero como uma maldição. Faz muito mais sentido a idéia de que determinados papéis diferenciados foram atribuídos aos gêneros por diversas implicações sociológicas, associadas a algumas características biológicas (só aqui se pode falar de natureza) e que, por terem sido repetidos reiteradamente tornaram-se quase naturais. Até que, com razão, nós quisemos nos libertar desse ciclo de opressão.

Temos lutado por décadas contra o flagelo da opressão dos homens sobre as mulheres. Reivindicamos direitos muito justos, e sobretudo "igualdade", a qual não conquistamos senão de uma maneira perversa. Igualdade de deveres, não de direitos. Só para dar um exemplo, tomando como parâmetro o Ocidente, a mulher ainda é muitas vezes considerada intelectualmente inferior em vários ramos profissionais. Mas somos suficientemente "iguais" para assumir responsabilidades antes imputadas ao universo masculino: força, vitalidade, coragem para sustentar pontos de vista e lutas, defesa.

No processo de domesticação da sociedade capitalista - que nós, mulheres, também sofremos - nós vimos, nos compadecemos, deixamos criar e criamos homens fracos, conformados, acuados, frouxos.

Diante do homem civilizado, despido de coragem, inseguro, vaidoso, que quer agradar a gregos e troianos, coube a nós sustentar as decisões difíceis e fazer colocações duras. Nós tomamos as medidas drásticas de força sem que ninguém nos defenda.

Força. Vestimos esta carapaça com um sorriso no rosto que tenta esconder qualquer fragilidade. Mas ela é pesada e paira sobre nossas cabeças.

Não é que não tenhamos que ser fortes. Não é que esse papel seja apenas dos homens e nós, de volta ao tanque. Mas não pode ser só nosso. Não podemos ficar a suprir lacunas para sempre.




Seres fortes devem ser construídos e estimulados em ambos os gêneros. É preciso muita força para ser uma mulher trabalhadora e bem sucedida. É preciso igual força para ser uma dona de casa e educar bem seus filhos. Diante de uma discussão pseudo-intelectualizada e militante, tem mais coragem atualmente aquela que banca que seu sonho sempre foi ser mãe e esposa. É só falar sobre o que sente e esperar uma chuva de pedras.

Se o que lutamos tanto para conquistar foi liberdade e autonomia, por que não podemos respeitar escolhas conscientes? Só por que não se encaixam no estereótipo de mulher moderna? Até quando vamos aprisionar pessoas na tese muito legítima de que o meio influência as escolhas e as subjetividades? Atés quando faremos isso de uma forma praticamente positivista?

É claro que o meio influencia as pessoas, mas será que determina e constrói absolutamente tudo o que é humano? O que é humano então? Será que pessoas lúcidas devem ser sempre igualadas a massas amorfas, estúpidas e acríticas?

Nesse ponto é que o feminismo deveria tentar ser mais generoso com o BDSM. Não de forma a prescrevê-lo como conduta, mas como respeito à escolha refletida de uma mulher livre.

Muitas das minhas ambições estão próximas do estereótipo da "mulher moderna". Quero ter uma carreira bem sucedida na profissão que gosto e milito; acho a instituição casamento uma bobagem; sequer sinto vontade de ser mãe e isso não faz parte dos meus sonhos, embora tudo possa mudar nessa vida. Nesse sentido, recuso meu papel biologico e social pré-estabelecido.

Sim, eu observo que vivemos numa sociedade machista. Eu observo que a sexualidade está repleta de símbolos patriarcais e falocêntricos. Eu percebo como a mulher é bombardeada com exigências estéticas e se flagela com isso. E eu aceito minha beleza dissonante e meu desleixo em cumprir esses padrões. Eu aceito minha sexualidade dissonante e que, de maneira consciente, gerenciando todos esses elementos, eu seja a mulher mais forte possível no meu cotidiano, mas na cama e em uma relação afetiva eu abra mão do controle. Eu aceito meu prazer dissonante e estéril que me conforta nesse mundo, e me sinto bem em ser currada enquanto me chamam de puta.

Se de fato feminilizaram a submissão e sexualidaram a feminilidade, será mesmo a solução para isso abstenção e abolir da vida os prazeres? Construiremos um mundo mais "justo", mais "igual", porém mais duro e frígido?

Como mulher autônoma, depois de me despir de preconceitos, me permito a vivência da submissão. E me re-significo como mulher, mais liberta do que antes. Assim respeito o que sinto no meu íntimo e cultuo de forma saudável meu amor pelo sexo e pela entrega. Me sinto plena, valorizada, e não me torno inferior por isso.

Se a proposta é destruir papéis opressivos, libertemo-nos sim de tarefas pré-atribuídas aos gêneros. Mas não precisamos substituir, nesse maravilhoso novo mundo, a opressão da mulher e de seu corpo por outra opressão, só que politicamente correta nos tempos atuais, e pela deslegitimação de seu prazer. Construamos vivências novas. Respeitemo-nos. E percebamos que somos bichos apesar de tudo. Nosso instinto sexual está acima de qualquer premissa acadêmica.





Um comentário:

Marte disse...

Muito bom. Uma nova feminilidade é possível.